Santa Maria ibn Harun - o blog da Cidade de Faro

quarta-feira, janeiro 24, 2007

António Ramos Rosa: letras de uma vida

Tal como prometemos, publicamos aqui, neste nosso espaço, a biografia de um dos maiores vultos da literatura portuguesa, e uma das personalidades mais marcantes da nossa cidade.
António Vítor Ramos Rosa nasceu em Faro no dia 17 de Outubro de 1924. Desde muito novo, mostra um especial talento para as letras, interessando-se desde cedo por tudo o que se relacionasse com poesia, fosse em publicações nacionais, fosse em estrangeiras. Nascido de uma família humilde, Ramos Rosa viveu a infância e parte da juventude na sua cidade natal, e foi aqui que iniciou a sua carreira literária como poeta e ensaísta crítico. Colaborou com textos de crítica literária nas revistas "Seara Nova" e "Colóquio/Letras". De 1951 a 1953 fundou e dirigiu a revista "Árvore", e após esta ter sido proibida fundou e dirigiu mais outras duas revistas, a "Cassiopeia" em 1955, e os "Cadernos do Meio-Dia" de 1958 a 1960, revistas importantes da década que também tiveram pouco tempo de vida, devido à censura do regime. Em 1958, publica o seu primeiro livro, "O Grito Claro", onde constam poemas já anteriormente publicados dispersamente. Destacam-se "Poema dum Funcionário Cansado", "O Tempo Concreto", e "O Boi da Paciência".
Poeta da liberdade, Ramos Rosa inicia também uma militância política participando em algumas manifestações e redigindo protestos contra o regime salazarista, o que resulta na sua prisão.
Em 1962 casa-se com Agripina Costa Marques e decide ir viver definitivamente para Lisboa.
Para além de ser correspondente comercial, foi professor de português, inglês e francês, e começou a fazer traduções para a editora Europa-América, trabalho que continuou ao longo da vida, mas após traduzidos mais de 50 livros, e vitimado por uma grave crise de saúde, resolve abdicar da sua actividade de tradutor dedicando-se exclusivamente à actividade poética, crítica e ensaísta.
Numa época em que o medo cala as vozes sedentas, os poemas de Ramos Rosa falam sobre liberdade, tema marcante em toda a sua obra. Dizia mesmo que escreve por "necessidade de escrever", porque para ele "é a procura de um espaço de libertação".
A partir de 1960, começa a publicar com maior regularidade. Estas são algumas das suas obras editadas a partir de então: "Viagem Através de uma Nebulosa" (1960), "Voz Inicial" (1961), Sobre o Rosto da Terra" (1961), "Ocupação do Espaço" (1963), "Terrear" (1964), "Estou Vivo e Escrevo Sol" (1969), "A Construção do Corpo" (1969), "Nos Seus Olhos de Silêncio" (1970), "A Pedra Nua" (1972), "Não Posso Adiar o Coração" (1974), "Ciclo do Cavalo" (1975), "Animal Olhar" (1975), "Respirar a Sombra Via" (1975), "Boca Incompleta" (1977), "A Imagem" (1977), "As Marcas no Deserto" (1978), A Nuvem Sobre a Página" (1978), "Círculo Aberto" (1979), "O Centro na Distância" (1981), "Dinâmico Subtil" (1984), "Clamores" (1992), " O Centro Inteiro" ( 1993, em colaboração com Agripina Costa Marques e António Magalhães), "O Teu Rosto" (1994), "Pela Primeira Vez" (1996), "A Imobilidade Fulminante" (1998). Publicou também a antologia "A Mão de Água e a Mão de Fogo" (1987), e os ensaios "Poesia, Liberdade Livre" (1962), "A Poesia Moderna e a Interrogação do Real" (1979 e 1980), "Incisões Obliquas" (1987), "O Livro da Ignorância" (1988), "A Parede Azul" (1991), e "As Palavras" (2001).
No universo poético de Ramos Rosa predominam os elementos da Natureza, como a água, o fogo, o ar, a pedra, a terra, e a luz. A sua escrita é muito rica, encontrando-se muitos elementos surrealistas, neo-realistas, neoclássicos e neo-barrocos, e testemunha frequentemente uma fusão com a Natureza.
Para além de poeta, António Ramos Rosa distinguiu-se também como ensaísta. Como tradutor, assinou várias traduções de inúmeros autores da literatura mundial como Paul Éluard, Michel Foucault, Brecht, Teilhard de Chardin, ou Albert Camus. Sempre se mostrou muito atento às obras dos seus colegas contemporâneos. Sempre considerou também, que a poesia não tem fronteiras nacionais ou linguísticas.
É considerado um dos melhores poetas portugueses contemporâneos, e o seu mérito tem sido reconhecido a nível nacional e internacional. Foi galardoado com o Prémio Nacional de Poesia em 1971 (recusado por questões de ética que o opunham ao regime), com o Prémio Casa da Imprensa em 1971, com o Prémio Fondation de Hautvilliers em 1976, com o Prémio Fernando Pessoa em 1988, com o Prémio Inernacional da Poesia em 1990, com o Prémio de Poeta Europeu da Década em 1991, entre outros. Foi também candidato ao Prémio Nobel da Literatura por duas vezes, em 1982 e em 1989. Recebeu da Universidade do Algarve o grau de Doutor Honoris Causa em 2003. A Biblioteca Municipal de Faro chama-se António Ramos Rosa, em homenagem ao poeta filho da terra que tão bem a representou perante o país e perante o mundo. Um mito da literatura, digno da maior homengem...