Santa Maria ibn Harun - o blog da Cidade de Faro

segunda-feira, novembro 15, 2004

História de Faro - V parte - Desenvolvimento Urbano

Da Renascença à Restauração (século XV - finais do século XVII)
Nome: Farão
Características: expansão urbana, edificações, estruturação dos espaços urbanos, construção da segunda cerca e integração das hortas no perímetro extramuros.

De meados do século XV aos finais do século XVII, Faro conhece um período de grande desenvolvimento urbano, com a expansão significativa da sua área edificada e com a construção de importantes edifícios religiosos. Os descobrimentos e consequente aumento da actividade comercial são determinantes neste processo de expansão.

No ano de 1540, D. João III eleva Faro a cidade e em 1577 a sede do Bispado, até então em Silves, é transferida para ali por decisão de D. Sebastião.
Em 1596, durante o período de ocupação de Portugal por Castela, as tropas do conde de Essex desembarcaram no lugar de Ferrobilhas e dirigiram-se para a cidade de Faro, que irão pilhar e incendiar. A população foge para Loulé e os ingleses fazem grandes destruições nos principais edifícios, nomeadamente em igrejas e conventos.

Toda a área interior à primeira circunvalação (Rua Aboim Ascenção) estava, no século XVII, integrada no tecido edificado, contendo diversas hortas urbanas, como as de S. Francisco, Ferragial, Colégio, Mouraria, S. Pedro e Capuchos. São urbanizadas a zona do Pé da Cruz e a encosta de S. Pedro.

Este processo culmina em 1660 com a construção da segunda cerca, linha abaluartada em estilo Vauban, adaptada ao uso da artilharia, que a defendia do lado de terra e a envolvia a norte e nascente. Era constituída por cinco baluartes e dois meios baluartes e dispunha de um fosso circundante. Os vestígios que hoje restam dessa cerca resumem-se a um pequeno troço situado nas traseiras do antigo convento de S. Francisco. No entanto a sua presença é visível na configuração de alguns quarteirões e no traçado das vias, reflectindo-se até nos limites de propriedades.

Na expansão e estruturação da cidade é determinante o traçado dos eixos das vias de acesso ao centro e demais ligações entre si, que constituem geralmente os arruamentos onde se desenvolve maior actividade comercial e industrial. Destacamos a Rua da Sapataria (actual 1º de Dezembro), a Rua de Santo António do Alto, a Rua da Cordoaria (actual Rua do Bocage) e a Rua Direita (actual Conselheiro Bivar).

As Praças e Rocios eram também pólos de actividade e situavam-se, geralmente, na confluência das vias mais importantes. Salientamos a Praça da Rainha (actual D. Francisco Gomes), situada junto ao porto, e as Alcassarias (no local da Praça da Liberdade e estacionamento da Pontinha), que constituíam um importante mercado.

Neste período são construídos alguns dos principais edifícios da cidade. No século XVI os conventos das Freiras e de S. Francisco, o colégio dos Jesuítas (actual Teatro Lethes), a Igreja e o Hospital da Misericórdia e as Igrejas de S. Pedro e de Nossa Sr.ª da Esperança.
No século XVII, o Convento de Santo António dos Capuchos, a Igreja do Pé da Cruz, a Ermida de S. Sebastião e inicia-se a construção do Paço Episcopal. É no século XVII que fica definida a área da cidade antiga, marcando também o fim de uma expansão orgânica, resultado das necessidades próprias de cada momento.

História de Faro - IV parte - Estruturação Urbana

Período Cristão - Reconquista cristã (século XIII - século XV)
Nome: Santa Maria de Faaron
Características: criação de novas áreas extramuros e integração das novas áreas na orgânica global da cidade

A cidade de Santa Maria de Faaron é conquistada, no ano de 1249, pelas tropas de D. Afonso III, que lhe viria a conceder duas cartas de Foral. A primeira, em 1266 e a segunda, destinada aos Mouros residentes, em 1269.
Não se sabe ao certo se a conquista de Faaron teve um carácter violento ou negociado. Há no entanto notícias de que são executadas obras de reparação no castelo e em alguns panos arruinados da muralha.

Os portugueses vão estabelecer a sua cidade na Vila-a-Dentro, cuja estrutura mantém os seus aspectos fundamentais, apesar de uma simplificação no traçado das vias secundárias, à semelhança de outros aglomerados urbanos da época.

A mesquita é "purificada" e adaptada, provisoriamente, a igreja, após o que sofre obras de reconstrução, dando lugar, em 1277, à Igreja de Santa Maria.
Sobre a Porta da Vila surge a Capela de Nossa Senhora de Entrambalas Águas, mais tarde de Nossa Senhora do Ó, quem sabe se no local onde anteriormente fora colocada a imagem de Santa Maria.
No sítio da actual implantação do edifício da Câmara Municipal de Faro, foram construidas as Casas da Câmara, edificação em forma de "L", com escadaria exterior.
Extramuros, processa-se uma considerável expansão do tecido edificado motivada pela criação dos bairros da Mouraria e da Judiaria, situados, respectivamente, a norte e sul da Rua de Santo António. A Mouraria ocupava a área definida pelo quarteirão que hoje integra o cinema Santo António, constituindo uma importante zona de hortas. A Judiaria, situada a sul, confinava com a Alagoa e continha ainda no século XIX duas sinagogas.

Ao cimo da Rua de Santo António do Alto, no local da Praça da Liberdade, ficavam as Alcassarias, principal mercado da cidade, explorado por essas duas comunidades.
A Ribeira, bairro muito ligado às actividades da pesca e da construção naval, desenvolveu-se no sentido nascente, e continha provavelmente uma igreja.

A principal artéria comercial e industrial era a Rua da Sapataria, actuais Ruas 1º de Dezembro e Tenente Valadim. A actividade portuária desenvolvia-se no local onde hoje se encontra a doca e a Praça D. Francisco Gomes, dispondo de um cais acostável, junto às muralhas da Vila-a-Dentro.
O sistema defensivo de Faro era completado com duas torres de atalaia - o Alto da Atalaia, situado no cimo da actual Rua da Boavista e Santo António do Alto, no local onde ainda hoje existe uma torre.

No final deste período os arrabaldes integram-se na orgânica da cidade, deixando de constituir áreas marginais. Inicia-se um processo de estruturação global com base na articulação de vários elementos da composição urbana, como os eixos viários, as massas edificadas e os condicionamentos naturais - hortas e canais.

História de Faro - III parte - Densificação Urbana

Período Árabe (século VIII - século XIII)
Nome: Santa Maria de Ossónoba, depois Santa Maria al-Gharb e depois Santa Maria Ibn Harun
Características: alargamento, densificação e consolidação do núcleo primitivo e regressão e densificação dos núcleos extramuros.

A invasão árabe da Península Ibérica inicia-se no ano 711 quando Tarik atravessa o Estreito de Gibraltar e vence as tropas de Rodrigo na batalha de Guadalete, conquistando de seguida a capital dos Godos - Toledo. No ano seguinte, Mussa Ben Nossair comanda a segunda invasão, conquistando Sevilha e Ossónoba. Com ele vem um poderoso destacamento de árabes iemenitas, comandados por Al-Yamani, a quem é entregue o governo da Província de Ossónoba. A cidade sofre grandes destruições, em virtude também dos efeitos de vários sismos que ocorreram naquela altura.

A cidade que os Árabes vão reconstruir tem por base a Vila-a-Dentro, que manterá a sua estrutura fundamental, se bem que densificada, adquirindo um traçado mais sinuoso - dois eixos, uma circular interior e uma área central a que correspondia apenas parte do actual Largo da Sé, mais concretamente, a zona situada entre o edifício da Câmara Municipal de Faro e a Sé Catedral, já que a restante área era ocupada por construções.
No local do antigo Templum é construída a Mesquita principal, a uma cota de nível mais elevada (cerca de três metros acima).

Extramuros opera-se uma regressão urbana dos seus arrabaldes, que se densificam, mantendo-se os dois núcleos já existentes anteriormente.
A cidade contém, neste período, uma forte comunidade de cristãos e moçárabes, descendentes dos Romanos e Visigodos, havendo notícia da sua participação em concílios de Bispos. É provável a manutenção de locais de culto dedicados a Santa Maria.

No ano 870 eclodiram as revoltas moçárabes no Ocidente do Andaluz. O partido Muladi, composto por antigos cristãos islamizados, os Moçárabes (do árabe Nuss-Arabi - meio árabe), com o apoio da comunidade cristã, toma o poder, tornando-se independente do Emirato de Córdoba, por mais de 50 anos.

Ao revoltoso Yahia Ben Bakr sucede seu filho Bakr Ben Yahia, que executa importantes melhoramentos na cidade. Constroem-se as actuais muralhas, guarnecidas por portas em chapa de ferro, aumentando-se o perímetro da Vila-a-Dentro. Terá sido nesta altura colocada entre as ameias a imagem de Santa Maria, como nos canta Afonso X de Castela, o Rei Sábio. É de crer que neste período a cidade tenha adoptado o nome de Xanta Maria al-Gharb (Santa Maria do Ocidente) ou simplesmente Xanta Maria (Santa Maria).

A revolta Muladi seria esmagada pelo Califa Abd-Al-Rahman III.
Os anos seguintes são marcados pelo poder do Hajibe Almançor, primeiro Ministro do Califa Hixame II, que obtém importantes vitórias sobre os cristãos.

A dinastia Omíada de Córdoba cai no ano de 1016, fraccionando-se o Al-Andaluz em vários principados independentes - os Reinos das Taifas. A Taifa de Santa Maria é governada por Abu Othman Said Ibn Harun. A cidade passa a designar-se por Santa Maria Ibn Harun.
Em 1092 o governador da Taifa de Sevilha, Al-Muatamid, natural de Beja e ex-governador de Silves, pede ajuda aos Berberes de Marrocos aquando da luta contra as tropas cristãs de Afonso VI de Castela. Yusuf Ibn Tasfin comanda então a invasão Almorávida, derrota as hostes cristãs e conquista todos os Reinos das Taifas, unificando-os de novo e sujeitando-os a Marrocos.
Quando D. Afonso Henriques vence os Almorávidas na batalha de Ourique, sucedem-se os segundos Reinos das Taifas, com o governo da família Banu Mozaíne, em Santa Maria Ibn Harun.

É durante este período que Al-Idrissi, geógrafo árabe ao serviço do Rei de Palermo, em visita de espionagem ao Gharb, descreve a cidade: Santa Maria do Ocidente está edificada na orla do mar e o mar vem bater nos seus muros. É de tamanho mediano e muito bonita. Tem uma Mesquita principal e Assembleia de Notáveis. Pelo seu porto entram e saem navios.
Em 1156 os Almóadas unificam de novo a Península, fazendo a fronteira regressar ao Vale do Tejo.

Seguem-se os terceiros Reinos das Taifas, prenúncio da reconquista cristã.
Poucos vestígios ficaram daquela época, apesar dos Mouros terem permanecido séculos em Faro. De registar no entanto neste campo, a introdução de centenas de vocábulos, especialmente referentes à toponímia e ao comércio, o que prova uma certa renovação em determinados sectores. Mas, sobretudo, o período árabe deixou-nos vasta obra literária, principalmente poesia. Citaremos alguns grandes poetas de Faro desse tempo: Abu Al-Hassan Ibn Harun (século XI), Ibn Al-Alam Al-Xantamari e Ibn Salih Al-Xantamari (século XII) e Ibn Al-Murahal (século XIII).

História de Faro - II Parte - De entreposto a urbe

Período Romano e Visigótico (século III a.C. - século VIII d.C.)
Nome: Ossónoba e mais tarde Santa Maria de Ossónoba
Características: estruturação da Vila-a-Dentro (núcleo primitivo), expansão extramuros em dois núcleos, descentralização dos poderes para as Villae, cristianização da cidade, apogeu e destruição de Ossónoba.

No século III a.C., altura em que Cartagineses e Romanos lutavam pelo domínio do Mediterrâneo, Roma invade a Península Ibérica, governando-a até ao século V d.C.
Com os Romanos a cidade perde o carácter de entreposto comercial e transforma-se em urbe. A Vila-a-Dentro estrutura-se segundo dois eixos principais (actuais Ruas do Município e do Repouso), ambos de acesso a uma área central, o Forum, onde se implantavam os edifícios administrativos e religiosos mais importantes. De entre eles salienta-se o Templum, cuja localização coincidia, parcialmente, com a da actual Sé, se bem que a uma cota cerca de três metros abaixo.

A Vila-a-Dentro ocupava então uma área inferior àquela que hoje ocupa e teria sido muralhada sobre o traçado da actual circular interior (Ruas Monsenhor Boto, Rasquinho e antiga Travessa das Freiras).

Pouco a pouco a cidade desenvolve-se e salta para o exterior das muralhas, estabelecendo-se então dois núcleos extramuros: o primeiro, na zona do Lethes-Alagoa-Artistas, acompanhando o traçado dos canais; o segundo, de estrutura linear, sobre o traçado da actual Rua Conselheiro Bívar.

Envolvendo estes núcleos constituiu-se uma vasta zona de construção dispersa, onde se situavam as hortas que abasteciam a cidade, e hoje são descobertos inúmeros vestígios de edificações, estatuária, utensílios vários e túmulos um pouco por toda esta área.

O desenvolvimento da cidade correspondia à intensa actividade comercial que a agricultura, a pesca e a utilização do seu porto proporcionavam. Neste período, Ossónoba atinge grande opulência, tendo sido descrita como uma das mais importantes cidades do Império.

A partir do ano 50 d.C., desenvolveu-se na cidade uma importante comunidade cristã que foi determinante na sua caracterização. No ano 300 já era sede de Bispado, cujo Bispo Vicente esteve presente, em Granada, no primeiro Sínodo das Hespanhas.
Durante o século IV, com o declínio do poder imperial de Roma, a civilização do tipo urbano descentraliza-se para as villae, sedes de grandes latifúndios e centros de poder político, económico e religioso.

Em Ossónoba adaptam-se templos pagãos a templos cristãos, iniciando-se um processo de cristianização, que culmina com a sua conquista pelos Visigodos, no ano de 414.
A ocupação visigoda não vem introduzir alterações de fundo na estrutura da cidade, já que se trata de um povo cristianizado, voltado para as áreas rurais, o que permitiu a continuação do povoamento urbano pelos Romanos.

Nesta altura, Ossónoba adopta o nome de Santa Maria de Ossónoba e é edificada a sua famosa Catedral, igreja a que se refere, posteriormente, o geógrafo Al-Yacute:
Santa Maria é uma cidade antiga; nela existe uma Igreja da qual disse Ahmed, filho de Omar Alodri, que era um soberbo edifício; as suas magníficas e alvas colunas não têm rival em nenhuma outra parte, quer pelo extraordinário comprimento, quer pela largura e um homem não é capaz de se abraçar a uma delas.

História de Faro - I Parte - Formação da cidade

Perí­odo Fenício, Grego e Cartaginês (século VIII a.C. - século III a.C.)
Nome: Ossónoba
Características: Estabelecimento de um Entreposto Comercial Integrado no Sistema Mercantilista Mediterrânico.

Faro, primitivamente denominado Ossónoba, que deriva da expressão fení­cia Osson Êba, armazém no sepal, e terá surgido por volta do séc. VIII a.C. durante a colonização fení­cia do Mediterrâneo Ocidental. Tinha então um carácter de entreposto comercial, integrado num vasto sistema mercantilista baseado na troca de produtos agrícolas, pescado e minérios, situação que se manteve nos perí­odos grego e cartaginês.

A situação dos terrenos em que assenta a actual cidade de Faro era então diferente. O ní­vel médio das águas do mar encontrava-se dois a três metros acima do actual, originando uma linha de costa muito recortada e inundável.

A configuração deste território era resultante de um sistema de colinas ou morros (o da Sé, onde se estabelecera o referido entreposto, o dos Artistas, Santo António do Alto e o conjunto de colinas que vão de São Pedro ao Alto Rodes, designadas por Alto da Caganita, Alto da Atalaia e Alto da Esperança), separados por canais ou ribeiras e sujeitos, com as marés, à subida e descida das águas do mar.

Dos canais, destacamos uma linha de água principal que corria desde a actual Ribeira das Lavadeiras, percorrendo a Estrada de São Luí­s até ao Lethes, daqui para a Praça Alexandre Herculano onde formava um lago - Alagoa - bifurcando, junto ao palácio Belmarço, para contornar o morro da Sé por ambos os lados.

domingo, novembro 14, 2004

Sé de Faro: a sua história...

A Sé de Faro, antes de ser como hoje a conhecemos, sofreu várias transformações religiosas ao longo dos tempos. Diria mesmo, que "reencarnou" por entre vários credos religiosos. Ora recuemos no tempo... A Sé Catedral de Faro, designada também por Igreja Matriz de Santa Maria, foi construída sobre as ruínas de um antigo templo romano pagão, cuja base se encontrava a um nível cerca de 3,00 metros abaixo do actual. Depois no periodo visigótico, o templo é adaptado a igreja cristã, designando-se por Catedral de Ossónoba, que muitos autores da época referiram como sendo uma construção grandiosa. No período árabe, no mesmo local, já ao nível actual, seria construída uma mesquita, sendo após a conquista da cidade de Faro, provisoriamente adaptada a igreja.
Mais tarde em 1251, o Arcebispo de Braga manda construir no local a Igreja de Santa Maria, concluída em 1271 e entregue à Ordem de Santiago.
Em 1577 a Igreja de Santa Maria passou a ser designada por Sé Catedral, quando D. Sebastião pede a transferência da Sé de Silves para Faro.
Os violentos terramotos que abalaram a cidade nos séculos XVI e XVII e a terrível invasão das tropas inglesas pelo conde de Essex, em 1596, causaram grandes destruições na Sé, obrigando a sucessivas obras de reconstrução, alterando-lhe significativamente a sua traçada primitiva.
Foi este o grande percuso da Sé de Faro, ao longo da História. Um grande e maravilhoso monumento, que ao longo da sua evolução conseguiu reunir várias culturas e várias religiões diferentes...